O Governo Boris Johnson está trabalhando com nove empresas que desenvolveram testes de anticorpos para o novo coronavírus.

Os testes estão sendo avaliados por pesquisadores da Universidade de Oxford - mas até agora nenhum deles se mostrou confiável.

"Infelizmente, os testes que examinamos até agora não tiveram um bom desempenho", disse Sir John Bell, professor de Medicina de Oxford.

“Vemos muitos falsos negativos (testes em que nenhum anticorpo é detectado, apesar de sabermos que ele existe) e também vemos falsos positivos. Nenhum dos testes que avaliamos atenderia aos critérios para um bom teste, conforme acordado com a Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde. Este não é um bom resultado para fornecedores de teste ou para nós ”.

Na semana passada, o Secretário de Saúde Matt Hancock festejou que o governo tinha conseguido fazer um pedido provisório para 17,5 milhões de testes de anticorpos em meio a escassez da pandemia.

"Os primeiros resultados de alguns deles não tiveram um bom desempenho, mas esperamos que eles melhorem e que os testes posteriores que temos em nossas mãos sejam capazes de ser confiáveis o suficiente para que as pessoas possam usá-los com confiança", disse Hancock.

O plano era enviar kits de teste para a população, embora a comunidade médica tivesse dito que a medida não era apropriada. Um exame de sangue com picada no dedo pode ser feito em casa em apenas 20 minutos.

Mas na quinta-feira (2), Hancock disse que vários kits de anticorpos tinham sido reprovados nos testes de acurácia, detectando apenas 25% dos casos positivos, ou seja, em cada 4 pessoas com anticorpos, o resultado seria positivo para apenas uma delas. Ele se recusou a sancionar qualquer kit que não funcionasse bem o suficiente, dizendo que isso colocaria mais pessoas em perigo se elas pensassem que estavam seguras, mas se mostrassem em risco.

Os pesquisadores de Oxford continuarão procurando um teste que funcione.

“O governo estará trabalhando com fornecedores novos e antigos para tentar obter esse resultado, para que possamos ampliar o teste de anticorpos para o público britânico. Isso levará pelo menos um mês”, disse o Prof. Bell.

Bell disse que o governo espanhol também devolveu kits de teste que não estavam funcionando e que os alemães, que estão desenvolvendo seus próprios kits, acreditam que estão a três meses de disponibilizá-los e validá-los.

A Espanha comprou milhares de kits de um fornecedor chinês, apenas para descobrir que eles costumam dizer que as pessoas não têm o coronavírus quando o tem. O governo da Eslováquia não poupa criticas, enquanto a República Tcheca e a Turquia também consideraram não confiáveis os testes que compraram da China.

Os 1,2 milhão de testes de anticorpos chineses que o governo eslovaco comprou de intermediários locais por 16 milhões de dólares, deveriam ser "ser lançados diretamente no Danúbio", diz o Primeiro-Ministro Igor Matovic. "Temos uma tonelada e não temos utilidade para eles".

Na República Tcheca, as autoridades de saúde disseram que dos 300.000 testes rápidos comprados pelo país, cerca de 100.000 estavam com defeito e os demais só funcionavam se os pacientes estivessem infectados por pelo menos cinco dias.

Na Turquia, que importou seu primeiro lote de "vários milhares" de kits no início de março, as autoridades determinaram acurácia inferior a 35%. Seu uso foi imediatamente suspenso.

A China disse que está trabalhando para corrigir os problemas. Os exportadores de kits de teste de coronavírus, máscaras médicas, roupas de proteção, ventiladores e termômetros deverão mostrar que são certificados na China e prometer que seus produtos atenderão aos padrões de qualidade da nação ou região importadora, declarou o Ministério do Comércio da China na quarta-feira (01/04).

No fim de semana, o governo britânico disse que se os testes de anticorpos "não funcionarem, não serão comprados mais testes e, sempre que possível, os pedidos serão cancelados".

Um porta-voz do Primeiro-Ministro Boris Johnson confirmou nesta segunda-feira (6) que "até agora nenhum teste foi bom o suficiente para ser usado" e disse que "nenhum governo no mundo lançou um programa completo de testes de anticorpos".

Secretário de Saúde Matt Hancock: 'no test is better than a bad test'. Reprodução © The Independent
Matt Hancock: "no test is better than a bad test". Reprodução © The Independent

Os testes de anticorpos da Covid-19 no mercado alegam ser precisos, ainda que muitos fabricantes não possam sustentar tal afirmação na prática, porque os cálculos foram baseados em apenas algumas centenas de amostras e servem ao propósito de marketing – vários desses kits podem ser comprados pela Internet.

“Quando você não tem amostras suficientes, pode ser enganado: 100 testes podem parecer bons, mas depois de 20.000 podem não ser”, disse Paul Hunter, professor de Medicina da Universidade de East Anglia.

Enquanto autoridades de saúde e pesquisadores do Reino Unido ainda não conseguiram encontrar um único kit que funcione, e a Alemanha prevê que o teste em desenvolvimento pelo país ainda levará 3 meses, entre 17 e 28 de março a ANVISA aprovou 9 testes de anticorpos de coronavírus, incluindo o kit de uma microempresa.

Negócio da China

Depois do Governo Bolsonaro festejar a aquisição de milhões de kits comprados pela Vale, alegadamente possível pela rede de contatos da empresa na China, o primeiro lote de 5.000 peças foi desembaraçado no aeroporto de Guarulhos em tempo recorde por interferência ministerial.

Foi mais um negócio da china da Vale:

O Ministério da Saúde reconhece que ainda não houve tempo para o kit da Wondfo ser validado e certificado pela OMS, e que seus parâmetros de qualidade ainda precisam ser avaliados.

Segundo alega o fabricante chinês, a “especificidade” de seu teste é de 99,5%, o que significaria que o exame produz um resultado positivo com alta margem de confiança. Porém, a “sensibilidade” do teste seria de 86%, implicando em um grande número de falso-negativos.

As especificações do vendedor não foram comprovadas na análise do kit por laboratórios brasileiros.

O Ministério da Saúde informou a gestores estaduais e municipais de saúde que a probabilidade do resultado refletir a realidade é de apenas 25%.

“O material adquirido de empresa chinesa para doação ao Ministério da Saúde apresenta limitações importantes. A pasta está ajustando as instruções e elaborando uma nota informativa com recomendações e orientando o uso do teste para garantir que o uso do mesmo pelos estados e municípios seja coerente com o que o teste pode oferecer”, explicou o Ministério da Saúde em nota.

Segundo especialistas, o "baixo índice" é "explicado" pela "divergência" entre a sensibilidade e especificidade do produto apresentada pelo fabricante chinês em "bula" e a certificada por uma rede de laboratórios no Brasil.

A preocupação dos gestores públicos nos estados é que o alto volume de falso negativos gera insegurança na hora de definir os profissionais que estão aptos a trabalhar na emergência sanitária e os que precisam cumprir isolamento.

Enquanto o teste de anticorpos é absolutamente vital para entender a propagação da doença, em nível populacional, usá-lo para estabelecer infecção individual é muito diferente e potencialmente muito mais perigoso, como mostra um exemplo do estatístico Kevin McConway, professor emérito da Open University

Supondo um teste com 95% de precisão, aplicado em alguém com o vírus, é 95% provável que detecte; em alguém que não tem, 95% provável que não.

Então uma pessoa faz o teste e resulta positivo. Qual a probabilidade da pessoa ter a doença?

Não, não é de 95%.

A menos que seja conhecida qual a porcentagem de pessoas que contrairam a doença na população, não há dados suficientes para responder.

Exemplificando, se 3% da população ficou doente por coronavírus, em 1 milhão de pessoas testadas cerca de 30.000 tem anticorpos. Com precisão de 95%, o kit corretamente identificará 28,500 pessoas. Por sua vez, das 970.000 que não tiveram a doença, o kit identificará 921,500 delas. Portanto, haverá cerca de 1.500 pessoas forçadas a permanecer em isolamento desnecessário e 48.500 serão erroneamente informadas de que tiveram a doença e agora estão imunes.

Respondendo a questão, dos 77.000 resultados positivos, apenas 28.500 estavam corretos. A probabilidade da pessoa testada positivo ter a doença seria de 37%, cerca de 1 em cada 3 resultados positivos.

Sem essa avaliação, poderia-se concluir que os 63% dos incorretamente testados positivo seriam casos assintomáticos de Covid-19. Somados aos casos assintomáticos de pessoas entre os 37% que tiveram a doença, o resultado distorceria significativamente a gravidade da infecção.

Cabe ressaltar que o kit hipotético usado no exemplo tem precisão de 95%, muito acima dos kits de anticorpos que tem sido certificados, e que esses kits não fazem distinção entre os diferentes coronavírus, não sendo específicos para o SARS-CoV-2.

"Não há nada de peculiar nisso estatisticamente”, explica McConway. "É apenas o teorema de Bayes". A probabilidade de uma pessoa ter o Covid-19, se teve um teste positivo, depende não apenas da precisão do teste, mas também da prevalência da doença na população.

* Com informações do Financial Times, The Sun, Folha de S.Paulo, Bloomberg, UnHerd, Rj1/TV Globo, Agência Brasil

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