Existe um entendimento tácito de que a pandemia continuará até que um nível significativo de imunidade populacional seja alcançado.
As autoridades de saúde suecas nunca admitiram que o objetivo é a imunidade coletiva, mas todas as estratégias dependem do alcance da imunidade de rebanho de uma forma ou de outra. Em algum ponto, todos os países terão deixado o vírus se espalhar ou vacinado um número suficiente de pessoas. Ou ambos.
Sem perspectiva de uma vacina à curto prazo, a Suécia se concentrou em tentar espalhar as infecções por vários meses para evitar que o sistema de saúde ficasse sobrecarregado por muitas pessoas procurando assistência ao mesmo tempo.
Desde o verão europeu, a Suécia passou a oferecer um acesso mais generoso aos testes de anticorpos do que a maioria dos países do mundo. Os 2,4 milhões de residentes da região de Estocolmo podem fazer o teste gratuitamente e na maioria das outras regiões os cidadãos pagam SEK 200 (US$ 24) pelo teste de anticorpos.
Introduzido em junho, cerca de 17% dos testes resultaram positivo até outubro.
Em outubro, houve um lento aumento de hospitalizações e mortes por covid, que continuou durante a maior parte de novembro, alcançando cerca de 70 mortes por dia no início de dezembro. No pico da primeira onda, mais de 100 pacientes morriam em um dia na Suécia.
No entender das autoridades de saúde, o aumento da disseminação do vírus teria resultado em rápido crescimento do número de pessoas expostas que desenvolveram alguma imunidade ao SARS-CoV-2 – na segunda semana de novembro, em 28% das pessoas testadas foram detectados anticorpos contra o patógeno causador da covid-19.
Em dezembro, duas em cada cinco (39%) pessoas apresentaram anticorpos ao vírus, em mais de 20.ooo testes realizados em Estocolmo entre os dias 7 e 13.
A proporção de pessoas com anticorpos tem aumentado 2-3 p.p. todas as semanas.
Esse crescimento torna questionável se as vacinas experimentais chegarão a tempo de ter algum impacto significativo no curso da covid-19 na Suécia.
Segunda onda
Os políticos estão novamente assustados, mais do que na primavera, apesar do fato de que a situação era claramente muito pior do que é agora.
Em Estocolmo, o número de pessoas em tratamento hospitalar por covid tem se mantido estável desde o início de dezembro, com cerca de 800 pacientes sendo tratados simultaneamente por covid em hospitais (no pico da primavera, cerca de 1.100 doentes com covid estavam sendo tratados simultaneamente em Estocolmo).
Contudo, o Dr. Sebastian Rushworth, interno do hospital Södersjukhuset, observa que a comparação deve considerar que na primeira onda os critérios de internação eram rigorosos e posteriormente foram relaxados com a queda da procura por leitos comuns. Segundo o médico, provavelmente uma parcela dos pacientes covid que estão sendo admitidos nos hospitais de Estocolomo poderia ser tratada em casa ou receber alta com menos tempo de internação.
Rushworth destaca ainda que atualmente 290 pacientes com covid grave estão sendo tratados em UTIs, enquanto na primavera esse número era 550.
Citando o número total de leitos hospitalares em Estocolmo em cerca de 3.850, Rushworth afirma que o sistema de saúde nunca esteve perto de ficar sobrecarregado.
"Embora seja verdade que os hospitais estão ocupando 100% de sua capacidade, essa situação não é incomum. A Suécia tem o menor número de leitos hospitalares por 100.000 habitantes na Europa, e os hospitais estão sempre funcionando com 100% da capacidade nesta época do ano", pondera Rushworth.
Vacinação
Nesta segunda-feira (21), a Comissão Europeia aprovou condicionalmente a vacina covid Comirnaty, da Biontech/Pfizer, seguindo recomendação do Comitê Científico da Agência Europeia de Medicamentos (EMA).
“Juntamente com os outros países da UE, concluímos que os benefícios da vacina superam os riscos potenciais associados a ela. O fato de que agora existe uma vacina aprovada no mercado europeu é uma peça importante do quebra-cabeça na luta contra a pandemia, disse Charlotta Bergquist, coordenadora de vacinas da Agência Sueca de Produtos Médicos.
As informações sobre prazos de entrega e número de doses estão sendo atualizadas. A expectativa é que as primeiras doses da vacina (113.000) devem chegar à região de Estocolmo após o Natal. A previsão é imunizar inicialmente 56.000 pessoas em maior necessidade de proteção.
A vacina começará a ser oferecida às pessoas que estão em acomodações especiais para idosos. O sistema de saúde sueco providencia apoio domiciliar na velhice, portanto, as pessoas idosas só saem de suas casas para os lares numa fase da vida em que já estão bastante debilitadas. Foi justamente esse grupo que registrou o maior número de óbitos por covid na Suécia na primeira onda da pandemia.
Como a vacina da Pfizer deve ser administrada em duas doses, entende-se que metade de cada lote será usada diretamente, enquanto a outra metade será reservada para a mesma pessoa receber a segunda dose após duas a quatro semanas.
No dia 6 de janeiro, o Comitê avaliará a vacina da Moderna. Após a reunião, a EMA poderá apresentar uma recomendação para aprovação à Comissão Europeia.
"Circuit-breaker"
A Suécia esteve sob forte crítica internacional porque rejeitou a estratégia de lockdown como forma de combater a propagação do vírus que causa a Covid-19.
O país se recusou a seguir o resto da Europa, mantendo suas escolas, parques, lojas, restaurantes, casas noturnas e fronteiras abertas, enquanto pedia que as pessoas trabalhassem em casa.
Dois cientistas, Johan Giesecke e Anders Tegnell, formularam uma política pública baseada em compreensão, cuidado e segurança com o próximo – uma forma de isolamento social baseado em cidadania – e obtiveram forte apoio e cooperação da população.
Para Tegnell, o lockdown não tem base científica, bastando um certo grau de distanciamento social e evitar multidões. Giesecke, um virologista veterano da Organização Mundial da Saúde (OMS), diz que o vírus SARS-CoV-2 é "um tsunami que varre o mundo", mas observa que a covid-19 ameaça sobretudo as pessoas idosas e que o país falhou em proteger os idosos e vulneráveis no início do surto, principalmente nos lares especiais para idosos.
Por várias semanas, a Suécia registrou a maior taxa de mortalidade per capita na Europa. Atualmente, sua taxa de mortes por covid-19 por milhão de habitantes ocupa a 23ª posição de um ranking de 25 países, muito abaixo das taxas de governos que decretaram lockdowns draconianos.

David Oxley, economista da Capital Economics, disse ao Financial Times que a Suécia, na crise do primeiro semestre, "estava em uma liga totalmente diferente dos espetáculos de horror em outras partes da Europa".
Seria natural supor que Giesecke e Tegnell, depois da Suécia ter saído da primeira onda em melhores condições sociais e econômicas do que a maioria dos países europeus, enfrentariam uma oposição menos feroz no atual surto.
Não parece ser o caso.
De fato, a única razão pela qual o governo sueco não seguiu outros países na imposição de severas restrições é porque a constituição da Suécia proíbe.
O Dr. Fredrik Elgh, professor de virologia na Universidade de Umeå e clínico, tem sido um dos críticos mais francos da resposta sueca à pandemia, pedindo medidas rigorosas já em 2 de março, em um artigo no principal jornal do país.
No passado, o Professor Elgh chefiou um departamento do Instituto Sueco para Controle de Doenças Infecciosas em Estocolmo. Tegnell fazia parte de sua equipe e Giesecke era chefe de outro departamento.
Na sexta-feira (18), em entrevista à Freddie Sayers, editor do Unheard, Elgh disse que os dois ex-colegas não revelaram ao país qual era a estratégia exata e especula que deve ter sido do vírus se espalhar pela comunidade rapidamente.
“Direi até o dia em que morrer que isso foi um grande erro”, enfatizou.
Com a chegada do verão e os casos e mortes caindo para um nível muito baixo, devido aos efeitos sazonais, Elgh acredita que o país deveria estar preparado para uma segunda onda, mas não está.
Agora, uma ação dramática é necessária, defende o virologista.

“Temos que salvar vidas. Temos que salvar a saúde. Na Suécia, precisamos salvar nosso sistema de saúde porque ele está quase esgotado ... Em duas semanas teremos uma quantidade enorme de casos em nossos hospitais”, disse Elgh.
A proposta do Dr. Elgh é decretar um lockdown rigoroso de curta duração, o chamado "circuit breaker", inicialmente por quatro semanas.
"Duas primeiras semanas de lockdown para se livrar do contágio das ruas e das lojas e de todos os lugares, depois outras duas semanas para garantir que a disseminação dentro das famílias caia para o mais próximo possível de zero”.
Na prática, seriam lockdowns draconianos alternados com relaxamentos temporários até que as vacinas tenham sido compradas.
“Isso é provavelmente o que veremos nos outros países europeus ... e só temos que fazer isso ... Olhe para a nossa curva – para onde está indo? Não podemos aceitar isso ... As medidas atuais não são suficientes. Se continuarmos assim, semana após semana, esperando que a curva desça, estaremos em uma situação desastrosa”, previu Elgh.
Na Suécia, cerca de 90.000 pessoas morrem por ano. Desde o início da pandemia, foram registrados na região de Estocolmo 105.000 casos confirmados e 3.064 mortes por covid-19. Das vítimas fatais, 1.327 foram testadas em lares para idosos.

Atualização 23/12 - Segundo a última edição da Pnad Covid-19, divulgada hoje (23) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 22,7% das pessoas que realizaram testes para coronavírus até novembro testaram positivo.
"Praticamente não houve diferença no percentual de homens e de mulheres que fizeram algum teste, 13,2% e 13,8%, respectivamente. Por grupos de idade, o maior percentual foi entre as pessoas de 30 a 59 anos de idade (18,2%). Quanto maior o nível de escolaridade, maior foi o percentual de pessoas que fez algum teste: entre as pessoas sem instrução ao fundamental incompleto, 7,3% e, entre aqueles com superior completo ou pós-graduação, 28,0%", relata o instituto.
"Quanto maior a classe de rendimento domiciliar per capita, maior o percentual de pessoas que realizaram algum teste para covid, chegando a 27,2% para as pessoas do décimo mais elevado e 6,8% para as do primeiro décimo. O percentual de pessoas que testaram positivo variou de 20,5% (no 10° décimo) a 25,4% (no 4° décimo)".
"Das pessoas que fizeram algum teste, 12,7 milhões fizeram o SWAB e 26,6% testaram positivo; 12,4 milhões fizeram o teste com coleta de sangue do furo no dedo e 17,2% testaram positivo; 8,0 milhões fizeram o teste de coleta de sangue da veia no braço e 25,5% testaram positivo", resume o IBGE.
"Entre os 211,7 milhões de residentes, 10,2 milhões (4,8%) não fizeram nenhuma medida de restrição em novembro, 97,9 milhões (46,2%) reduziram o contato, mas continuaram saindo de casa, 79,3 milhões (37,5%) ficaram em casa e só saíram por necessidade básica e 23,5 milhões (11,1%) ficaram rigorosamente isolados".
"Em novembro, entre as pessoas que procuraram atendimento em hospitais, precisaram ficar internadas 11,0% (104 mil) das que apresentaram algum dos sintomas pesquisados e 14,4% (42 mil) das que apresentaram sintomas conjugados (foram 71 mil em julho, 52 mil em agosto, 40 mil em setembro e 44 mil em outubro)".
* Com informações do Svenska Dagbladet (SvD), Region Stockholm, Swedish Medical Products Agency, Sebastian Rushworth, Unheard, IBGE
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